A arte brasileira nas paredes do castelo escocês do século XIII
Difícil descrever o que foi participar de um projeto como esse. Além da conexão natural e familiar que tenho com a Escócia – meu sobrenome Ralston é de origem escocesa, mais especificamente de Glasgow – o lugar transborda inspiração. Tudo que se pode relacionar com um verdadeiro conto de fadas se materializou no castelo de Kelburn e na arte lúdica de quatro mitos do graffiti: Nina, Nunca e a dupla pioneira da cena brasileira: Os Gêmeos.
O projeto foi idealizado por Camilla Wegener, e Alice e David Boyle, filhos do Lord of Glasgow que ainda vive no castelo. Por essa e por outras razões, Kelburn não é um castelo morto como os que se costuma visitar pela Europa. Ele está vivo, habitado e cheio de histórias que pulsam por todos os seus cômodos e nos olhos daqueles que ainda o habitam. Inicialmente, convencer o Conde e a conservadora Grã-Bretanha de um projeto tão inovador parecia uma tarefa difícil. Mas o que realmente aconteceu foi que tudo foi aprovado com a maior rapidez dando início à obra e ao sonho dos admiradores da arte de rua.“O graffiti é uma das mais fantásticas formas da arte contemporânea. Ele interage com todos e muda o cenário e o dia-a dia das pessoas que passam por ele. Os Gêmeos, Nina e Nunca trazem a cultura que queríamos estampar num lugar como esse. Suas pinturas encaixam completamente com o castelo”, contou David Boyle.
Construído em 1200 a beira mar, Kelburn é considerado um dos monumentos históricos mais antigos da Escócia. A representação do poder monárquico é rodeada de quedas d’águas, esculturas, bosques, animais, e paisagens naturais inacreditáveis. Entre elas, duas árvores reconhecidas pela comissão florestal por terem sido plantadas há mil anos no local, e por isso mais antigas na região que o próprio castelo.
Éramos em mais de 20 pessoas hospedadas na construção medieval, vivendo dentro de uma bolha. Consumíamos uns aos outros e misturávamos o melhor de cada um dentro de um liquidificador. O resultado? Magia pura! Por idéias em comum que ultrapassavam os motivos pelos quais tudo começou, foi construída uma amizade e uma sinergia que trouxeram momentos inesquecíveis, grandes viagens, festas e muito trabalho aos residentes da querida bolha. O mix entre uma arte tão urbana dentro de uma paisagem tão medieval atraiu milhares de pessoas, incluindo fãs do quarteto espalhados pelos quatro cantos do mundo, e que acompanham a trajetória internacional dos mesmos. “Para sair do caos da cidade de são Paulo, acabamos criando um mundo nosso. Pintar é uma outra realidade, é algo que está dentro da nossa cabeça, que a gente sonha. Fazer um trabalho num lugar como esse é viver um mundo que existe na nossa imaginação. Toda a história de Kelburn e a natureza fresca que o rodeia resgata esse nosso lado, o lado da fantasia que é muito presente na nossa arte. Tudo está em completa harmonia”, conta a dupla Gustavo e Otávio.
Patrocinadores e gente interessada não faltaram. A marca espanhola Montana, especializada em sprays para graffiti, bancou a produção em grande estilo. Para quem estiver nos arredores de Barcelona, vale a pena conferir as paredes da fábrica, também pintadas pelos artistas brasileiros. Genial!Como tudo que é bom dura pouco, o projeto de um mês chegou ao fim, recheado de boas recordações. E quem acha que esses grafiteiros deixaram os caminhos da Europa por algum tempo, estão muito enganados. O artista Nunca segue com exposições na França e trabalhos pela Espanha, Nina passa por alguns projetos no Brasil e retorna ao velho continente dentro de um mês. A dupla Os Gêmeos embarca para Barcelona em algumas semanas.
E para os paulistanos, boa notícia. A Galeria Fortes Vilaça fará uma nova amostra dos criadores do famoso boneco amarelo. Em julho, desenhos que formam a base do trabalho da dupla em suas distintas fases estarão expostos na galeria da Vila Madalena.
Um pouco sobre os artistas:
Os Gêmeos
Nascidos em 1974 na região central de São Paulo, os gêmeos Gustavo e Otávio Pandolfo são pioneiros na cena brasileira do graffiti. Donos de um estilo extremamente singular e reconhecível, os artistas já possuem grande reconhecimento internacional tanto pela arte de rua quanto por pinturas em tela, instalações, e esculturas - que misturam vários tipos de materiais como lantejoulas, azulejos, alumínio, bolas de gude, entre outros. Seus trabalhos estão espalhados pelo mundo inteiro, como São Francisco, Nova York, Europa, Ásia e América Latina.
Nina
Nina Pandolfo é uma das poucas figuras femininas com real importância no mundo do graffiti. Nascida em 1977 em São Paulo, realiza trabalhos no Brasil e em muitos outros países desde 1992. Suas criações são caracterizadas por meninas de olhos grandes e redondos, além de animais e símbolos da natureza, com uma abordagem ingênua e divertida.
Nunca
Aos 24 anos, o artista conhecido pelo pseudônimo de Nunca é identificado por seus traços geométricos e por seus desenhos de personagens indígenas, com referências à cultura brasileira e sul-americana. Alguns de seus trabalhos encontram-se na Espanha, Grécia, França e América Latina, entre outros.
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